Tenho
uma estranha e subtil esperança de que, um dia, não tenhamos que sofrer
o que fazemos àqueles animais que abandonamos sem uma festa, sem um
adeus ou simplesmente sem um sincero pedido de desculpas. A sociedade
nunca, mas nunca mesmo, olhou para os animais com verdadeira paixão e
amizade, como se esta maravilhosa aventura a que chamamos vida, com
cores doces e conciliadoras, fosse ela própria, e longe de nós, a
responsável pelos desvarios, pelos abandonos que praticamos e pelo mal
que deixamos fazer com os sucessivos encolheres de ombros e os olhares
pretensamente distraídos. Estranhamente são os mais inocentes que se
sentem culpados, talvez porque vejam os animais como projecções deles
próprios, como seres da mesma criação, como vidas que alimentam neles
aquilo que temos de mais sério e de mais puro. Bem hajam! Todos os
gestos se tornam inúteis, se não existir o amor que une o homem à
natureza, mesmo que seja através do sonho, da utopia, que é no fundo a
verdade que dói, pela impossibilidade de ser atingida. Mesmo assim, por
que será que tardamos tanto em praticar aquilo que os animais nos pedem
diariamente? Já me faltam as forças para advertir. Estou cansado de
gritar, de pedir, de chamar a atenção para os pequenos gestos que a vida
sempre premia, e para a pacata estupidez dos que condenam os animais,
matando-os, como se eles fossem inúteis, velhos, incómodos, caros,
tratando-os da mesma forma que tratam os seus velhos, e em muitos casos,
as suas crianças acabadas de nascer. O abandono é um dos piores crimes
que existem! Não se admirem que a maior parte de nós venha a ser um
dia, igualmente condenada ao esquecimento, porque o que semeamos...
colhemos, inevitavelmente. Por que será que escolhemos carregar a vida
com descuido e com ódio, em vez de o fazermos com amor e com carinho?
Não é por causa da sociedade. Será porque somos assim? Para um velho
como eu, já não há dúvidas sobre quem vai ser o último a tombar neste
ridículo confronto entre o homem e os animais. O amor que deve unir
qualquer um de nós à natureza dos animais, é um rochedo cravado na
terra, é algo que nos torna imunes à acção destruidora desta vil massa
humana atormentada pelo esquecimento. Os animais não falam, mas não é
preciso que o façam. Quando levantam os olhos, tornam evidente o que
pensam das nossas atitudes e dos nossos desleixos. E fazem-no em
silêncio, sem críticas, com um tremendo bom senso, olhando-nos nos
olhos, como quem diz que há sempre tempo para tudo recomeçar, ou melhor,
para mudar, porque a vida em comum, é o que traz o conhecimento dos
caminhos, e a coragem e a amizade entre todos, formam aquele grande
abraço que agarra aquelas coisas mais simples que temos medo de sentir."